SAÚDE
Obesidade começa na cabeça
01.12.2022Para o médico argentino Máximo Ravenna, o excesso de peso é fruto de uma compulsão gerada por certos alimentos e estimulada pelo ambiente onde vivemos.
Há 23 anos, o clínico-geral e psicoterapeuta Máximo Ravenna começou a formular um método de emagrecimento capaz de superar os resultados insatisfatórios que, até então, observava em boa parte dos pacientes acima do peso. Ao reunir sua própria experiência a evidências científicas, ele criou um sistema que combina trabalho psicológico, eleição de alguns grupos alimentares e atividade física com o objetivo de mudar o comportamento do obeso e ajudá-lo a se livrar de vez (e, diga-se, depressa) de 20, 30... 60 quilos. O método, batizado com o seu sobrenome, já foi adotado por cerca de 50 mil indivíduos mundo afora — quase 5 mil no Brasil, onde o especialista mantém duas clínicas, uma em São Paulo e outra em Salvador. Aproveitamos o lançamento de seu primeiro livro no país, A Teia de Aranha Alimentar (Editora Guarda-Chuva), para conversar com o médico sobre o avanço da obesidade, o vício por comida e as medidas para contê-lo.
SAÚDE - O senhor usa a metáfora da teia de aranha para explicar como alguns alimentos nos tornam presas deles e nos fazem engordar. Essa teia sempre existiu?
MÁXIMO RAVENNA - Não, ela é um fenômeno
que começou a aparecer nos últimos 40 anos, com o modelo americano de globalização alimentar, marcado por uma sobreoferta de comida e o acesso fácil a ela. Os Estados Unidos foram o primeiro país obeso da história — isso já na década de 1960. Com o tempo, esse problema se estendeu por outras nações, especialmente entre grupos que já tinham maior predisposição genética para engordar. Hoje, a obesidade afeta 25% das pessoas no globo, e o sobrepeso, 40%. E vê-se que, com o aumento da longevidade, também cresce o risco de ficar acima do peso.
Como o mundo conspira para engordarmos?
O padrão de alimentação mudou e o sedentarismo avançou. As pessoas passam horas confinadas em ambientes fechados e sofrem cada vez mais com o estresse. Isso cria uma demanda por alimentos apetitosos e faz desenvolver uma necessidade de buscar algo de que não precisamos de fato para sobreviver. Assim como o ser humano incorporou o tabaco e o álcool no dia a dia, que são totalmente dispensáveis para o funcionamento do seu corpo, ele passou a recorrer aos doces, aos biscoitos, às massas... Nem sempre quer comer, mas acaba fazendo isso de modo automático e distraído. E há quem enxergue na comida uma forma solitária e prazerosa de fazer um stop na rotina. A grande questão é que essa gente prioriza itens que mexem com a bioquímica cerebral.
E quais são esses alimentos? Como eles interferem em nosso cérebro?
Estou falando daqueles feitos de farinha refinada, açúcar e gordura saturada, dos produtos processados e industrializados. Seus ingredientes não têm muito valor nutricional e ainda são capazes de alterar, na massa cinzenta, os níveis de neurotransmissores como dopamina e serotonina, relacionados à sensação de prazer e bemestar. É por isso que o seu consumo gera dependência. Os sistemas cerebrais afetados por eles são os mesmos estimulados por drogas como anfetaminas e até a cocaína. Aliada aos apelos das propagandas e das embalagens, a receita desses alimentos instiga exageros e compulsões.
O senhor condena os carboidratos?
Devemos evitar os carboidratos refinados, aqueles de massa branca, e dar preferência aos integrais, ricos em fibras e que, assim, agregam valor àquilo que comemos.
O que leva alguém a se viciar por comida?
Há estudos mostrando que os indivíduos engordam por causa do ritmo de trabalho, da perda da vaidade ou porque trocam o vício do cigarro pelo da comida. Quase sempre há falta de reflexão e autoconhecimento. Assim, a ansiedade e o estresse não fazem necessariamente que você se vicie em um alimento, mas passe a usálo para descarregar a tensão. As pessoas se apegam a ele sem saber o que se passa dentro delas, quase que por distração. Daí, se procuram ajuda médica e o tratamento não dá tanto resultado, se frustram a ponto de descontar no prato e comer mais e mais. O mesmo raciocínio se aplica a quem faz uso de remédios para emagrecer. Se o paciente não aprende a se cuidar, isto é, dominar sua tendência a abusar, ficará mais uma vez acima do peso.
Até que ponto a personalidade ajuda a ditar o impulso por comer?
Há pessoas que têm maior dificuldade para encontrar seus limites. Elas precisam aprender a diferenciar a necessidade de matar a fome do comer por mero impulso. Essa atitude é facilitada pelo fato de que hoje os alimentos calóricos estão sempre à mão e associados a encontros e reuniões agradáveis, sem falar no seu poder hedônico sobre o paladar. Além disso, temos que considerar que existem casos de distúrbios psíquicos, como os transtornos obsessivos e a própria depressão, cujos portadores sofrem ainda mais para se controlar. Quem está deprimido, por exemplo, busca em alimentos a alegria que lhe falta em outros momentos da vida.
No livro, o senhor diferencia o vício por comer e o vício por comida.
Sim, o primeiro é comportamental. O indivíduo não consegue ficar muito tempo sem comer, independentemente do que está à sua frente. Ele tem que se sentir mastigando, botando algo para dentro. O segundo se refere a algo específico, como o chocolate. O alimento-gatilho varia de pessoa para pessoa, dos gostos particulares, de como o corpo responde àquelas substâncias. Há ingredientes, como o açúcar, que funcionam como drogas e disparam uma sensação de válvula de escape.
Como seu método combate a compulsão?
Trabalhamos com o conceito de adição, ou vício, e com a mania de excesso. O problema não está no prazer despertado pelo alimento, mas no alimento em si e no efeito dele sobre o corpo. O método propõe a exclusão de alguns itens, como os carboidratos simples, porque eles incitam a vontade de comer. Estabelecemos essa noção de corte, a de medida ou quantidade das refeições e a da distância que se deve manter dos alimentos- gatilhos. A dieta tem de ser mais rígida e com poucas calorias, priorizando tudo o que gera maior saciedade. Somam-se a isso a prática de atividade física orientada e o trabalho psicoterapêutico. E, claro, depois do emagrecimento, temos de zelar pela manutenção do peso e do novo comportamento.
E essa estratégia funciona mesmo em gente muito gorda?
Os melhores resultados proporcionados pelas mudanças no estilo de vida e pelo acompanhamento clínico são vistos em pessoas extremamente obesas, que perdem 40, 50 quilos. Elas se curam inclusive de problemas como o diabete e a pressão alta.
Qual a sua opinião sobre os remédios para emagrecer e as cirurgias bariátricas?
Acredito que devemos dar uma oportunidade de o obeso mudar seus hábitos para emagrecer antes de receitar drogas ou mandá- lo à sala de cirurgia. Hoje há uma valorização excessiva dos medicamentos, o que não deixa de ser um reflexo da impotência dos médicos. O especialista deveria cuidar da cabeça do paciente, com uma atitude firme. Se ele o vê como um pobrezinho, sem ação, está condenando-o à sua doença.
Qual a grande dificuldade para um médico que lida com a obesidade? E a do paciente?
Para o médico, é lidar com as frustrações, perceber que o indivíduo não crê totalmente na sua capacidade de mudar. E, para o paciente, não é nada fácil manter o bom humor diante das restrições nem aderir 100% ao tratamento. O que nós, médicos, temos de fazer é convencê-lo de que a vida não pode se resumir a uma busca constante pelo emagrecimento. A saída definitiva para não ter de arcar com essa preocupação é mudar seu comportamento e seus hábitos.
Os pilares do emagrecimento, segundo Ravenna
• Cortar radicalmente carboidratos simples
• Porções reduzidas de alimentos, sempre selecionando itens que aumentam a saciedade
• Evitar situações que disparem a compulsão. E, claro, isso varia de indivíduo para indivíduo
• Atividade física orientada
• O maior diferencial: frequentar, até diariamente se for o caso, sessões de terapia em grupo, onde se trabalham questões como a autoestima e os gatilhos que levam a buscar — por ledo engano — alegria de viver na comida